VII - O dia seguinte

O meu telemóvel está a tocar! Vou ter que me levantar! Que dor de cabeça! Será a minha mãe? Não me recordo se combinei ir almoçar à casa dela hoje...se não for ela vou ter que ligar à Sara, pelo menos a minha irmã compreende estes lapsos de memória! Ou iremos a casa do pai hoje? Vou ter que ligar à Sara, definitivamente! Merda, é o André!!! Não vou atender! Claro que vou atender! Parou...e agora?! Vou ligar. Não, primeiro vou tomar banho. Preciso de água, para lavar a alma e o corpo.
Estou pronta. Vou ligar ao André.
- Estou, André, ligaste?
- Sim.
- ...
- ...
Como o silêncio consegue, por vezes, perturbar mais do que as palavras... Sabíamos os dois exactamente o que estava a acontecer, mas não sabíamos o que dizer. Tomei iniciativa:
- Vamos almoçar. Precisamos de falar.
- Estás pronta? Estou à tua porta!
- Estás onde? És doido?! Estás aí há quanto tempo?
- Há tempo suficiente!
- Vou descer.

Entrei no carro dele, não tinha alternativa, o meu carro tinha ficado perto do Bairro. Cumprimentámo-nos civilizadamente, mas estávamos nervosos. Desliguei o telemóvel. Qualquer possível almoço que estivesse combinado, ficaria para outro dia.
- Passa no Largo de Camões, se não te importares. Tenho lá o carro.
- A noite foi longa, não foi?...
Fiquei com a sensação de que tinha sido observada a noite toda. O André estava com aspecto de quem não tinha dormido nada e eu preferi não responder. Não queria discutir. O nosso relacionamento estava condenado ao fracasso e eu só queria que ele também compreendesse e interiorizasse que o amor não se repete, pelo menos entre nós.
Continuámos em silêncio. Chegados ao Bairro, entrei no meu carro e invadiu-me uma sensação de tristeza, que de tão profunda, confundi com angústia. Ele estava bonito, bonito demais, parecia abatido, descuidado, por outro lado convicto, seguro, mas preocupado, ansioso, talvez...mas o meu coração estava fechado.
Segui atrás dele, parámos no Guincho, estava um dia frio. O Céu chorava por mim e o mar demonstrava a minha revolta.
A viagem, ainda que curta, apaziguou-me. Fiquei mais calma e entrámos pensativos num restaurante acolhedor. O empregado indicou-nos uma mesa para lá dos olhares alheios, reservada, com vista para o mar. O cenário ideal para partilhar momentos e sorrisos, não para terminar uma relação. Parecia tudo demasiado perfeito, planeado ao milímetro e senti-me desconfortável. O silêncio manteve-se, até o André subitamente quebrá-lo:
- Inês, eu amo-te.
O empregado trouxe qualquer coisa para comer. Não reparei, tinha um nó na garganta e estava longe de me apetecer o que quer que fosse. As palavras do André dominavam o meu pensamento e não sabia o que dizer. Perguntavam-me o que queria beber e eu pedi um chá, quente e calmante. O André pediu vinho. Eu não iria beber, mas não disse nada.
Queria que o empregado ficasse ali para sempre, queria contemplar o mar e a chuva e o dia cinzento e não dizer nada. O silêncio tornou-se acolhedor. Quando me voltei para o André, fixei-me num olhar desesperadamente triste. Eu tinha que dizer qualquer coisa.
- André, não tornes tudo mais difícil.
- Inês, eu amo-te.
- Sabes que nunca foi o amor que nos faltou. Talvez a ponderação, o equilíbrio, a moderação... Já não sei, André. Queria encontrar as palavras certas. Não deixar nada por dizer, nem dizer nada ambíguo.
- Espera, não digas mais nada...vem aí o teu chá...
Respirei fundo. Pensei que desta vez estávamos os dois mentalizados do final inadiável. Há três anos que nos tínhamos conhecido e há dois que parecíamos andar num jogo inconsequente e desgastante, em que saímos sempre os dois perdedores. É verdade que vivemos momentos de intensa paixão, mas éramos muito insensatos e cansativos. Queríamos o melhor de tudo e que tudo fosse perfeito. E depressa caímos em discussões excessivas, em quantidade e intensidade, para rapidamente voltarmos a cair nos braços um do outro. No fundo, tenho a certeza que ambos sabíamos que não poderíamos continuar assim e então fazíamos promessas incertas, que depressa quebrávamos. Um perfeito ciclo vicioso, do qual eu estava irremediavelmente saturada, mas o André parecia querer continuar...
Chegou o chá. Estava mesmo a precisar! Agarrei na etiqueta do saco de chá e agitei. Um barulho estranho fez com que o meu coração batesse mais forte. Olhei fixamente para o André. Comecei a tremer e desejei que não fosse o que eu pensava. Afinal ele não sabia que eu ia pedir um chá e se eu tivesse alinhado no vinho?...
Mas era. Um anel magnífico!
- Casas comigo?
Engoli em seco! Estava ofegante. Não podia chorar, mas as lágrimas estavam perto demais! Um sonho (quase) esquecido tornado realidade! O sítio perfeito, a surpresa desejada, o momento inoportuno. A resposta:
- Não!

2 comentários:

  1. Nunca uma historia tao parecida com vida real de uma pessoa que era minha amiga...nao é?

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