V - Amigos Para Sempre



No elevador a caminho da rua agitada do Bairro fizemos um pacto: que seríamos amigos até sempre e tio e tias de todos os futuros bebés daquele trio.


Decidi esquecer o desconforto que sentia e saímos para a rua a sorrir. As pessoas abundavam, o barulho era perto de ensurdecedor e não quisemos entrar em sítio nenhum. Queríamos caminhar, os três, de mãos dadas, apertadas, pelo frio e pela amizade que nos unia, até ao fim. E assim fomos andando. Cheirava a Outono, eu e o Afonso fazíamos planos para o bebé da Margarida. Ela preferia acautelar o entusiasmo e fez de conta que não se importava, ainda, com questões futuras demasiado incertas, mas deixou-nos sonhar: as crianças brincavam todas juntas, muitos sorrisos mágicos e risos de encantar, típicas de gente miúda, e nós, sempre juntos, deliciávamo-nos a olhar...


Chegámos a um bar aparentemente mais calmo e elegemo-lo como a nossa primeira paragem do resto da noite. Era um bar elegante, iluminado à luz de velas e candeeiros tímidos, convidativo a uma conversa e a uma bebida quente. O meu pensamento finalmente descontraiu e abandonou-se no conforto da companhia daquelas pessoas tão especiais.


Fui despertada deste misto de sensações reconfortantes pela Margarida a tentar disfarçar a vontade enorme de ir ter com o Miguel que, pelo que eu deduzi, já se encontrava na tal inauguração do tal bar para a qual tínhamos convites e ela insistia para que fossemos andando para lá.


Depois de apanharmos um táxi, cujo condutor devia estar entre os principais nomeados para o prémio de antipatia, chegámos ao destino, não sem algumas apitadelas, maledicências e gestos menos decentes dirigidos estrategicamente a outros condutores bem mais festivos e afáveis. Mas nada iria estragar esta noite. Muito menos um taxista mal-humorado. Era só o que faltava!


O espaço estava definitivamente bem decorado e frequentado. A música não estava demasiado alta apesar do adiantado da hora, afinal já batiam as 4 da manhã, e tudo parecia existir em cada sítio particular, há tempo suficiente para parecer perfeito. Cada garrafa exposta, cada candeeiro, cada espelho, cada pessoa que esperava pela sua vez ao balcão, cada pessoa que dançava, cada pessoa que olhava... e embati num olhar verde que me observava. Há quanto tempo estaria a olhar para mim? O Afonso queria saber o que eu queria beber e afastei o olhar por segundos, quando voltei a cabeça para olhar de novo, tinha desaparecido!


Inês, não sejas tonta! Esta noite é dos teus amigos. Não estragues tudo com um engate qualquer! O risco do André ligar e querer falar ainda é demasiado grande! Aliás, é quase uma certeza. Pior, vai acabar por ter que acontecer! E voltou a consciência! O efeito de uns olhos verdes numa mulher a precisar de uma paixão autêntica na sua vida! Mas ninguém disse que era fácil.


Uma amiga do Afonso aproximou-se e cumprimentou-o! Ela era enorme, mas com um sorriso arrebatador. Ofereceu-me um “Olá” e disse chamar-se Maria. Retribuí com dois beijos. Falaram pouco e algo sobre trabalho, prometendo falar disso na 2ª feira, na reunião. O Afonso é Director de uma empresa de consultoria de gestão, e ela, pelo que percebi, tinha imensos contactos, conhecia toda a gente e movimentava-se lindamente na noite, mas talvez também de dia. Não percebi, o que ela era, nem profissionalmente, nem para o Afonso, mas também não me apeteceu perguntar! Quem sabe um dia! Mas hoje não! Preferi observar e reparei que espalhava bem-estar, como o Afonso gosta, apesar dos quilinhos a mais, tinha aquela carinha laroca e brilho no olhar, próprios de pessoas de bem consigo mesmas! Parecia que havia conquistado algo, um verdadeiro troféu! E parecia feliz! Verdadeiramente feliz!


E eu também devia estar realmente “qualquer coisa”, porque vários olhares se cruzavam com o meu, sempre prontos a um sorriso e, se possível, a dois dedos de conversa. Mas não voltei a ver aqueles olhos verdes... Para além disso, o mau humor tinha-se desvanecido, encoberto pela encantadora companhia do Afonso que me prometeu que essa noite era minha e a minha noite dele. Éramos amigos, amigos para sempre! E estaríamos sempre presentes, “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos separe, amém”.


Preciso de dançar! E arrastei o Afonso comigo, porque a Margarida já se havia perdido nos braços do Miguel há muito tempo.


Até o bar fechar e o sol nascer, perdi-me naquele espaço enorme e a noite foi acontecendo entre danças e copos e mais copos e risadas e músicas e os olhos verdes diluíram-se na memória...

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