VIII - Chuva...


Era já meio-dia quando Pedro despertou para mais um domingo. Deveria ser mais um igual aos outros! Deveria ser um dia de sol, como os expressivos britânicos apregoam. Mas era apenas e só um domingo com poucos raios solares e com chuva, muita chuva, o céu lamentava-se copiosamente. Felizmente não havia, no cérebro, muitos restos - principalmente etílicos - da noite passada, havia outras memórias na mente, numa mente ainda adormecida.

João, onde estaria João!?... Possivelmente a acordar ao lado de alguém, seria alguém que ele desejaria? Este pensamento fez-lhe lembrar Maria. Uma reacção inesperada… Como é que ele não viu isto!? Como é que ainda há mulheres que reagem assim!? Bruno? Não sabia mais nada dele. Teria tido algum sucesso na sua investida. Joana?... Possivelmente nada teria acontecido… Ainda teve tempo para se recordar “daquele perfeito exemplar do criador”… estaria com certeza com o namorado ou com a companhia da noite!?

O estado ébrio em que se encontrava, depois de uma semana de trabalho, de uma noite, onde a sensatez de Pedro, aliado ao medo de voltar a ter uma noite voluntariosa, tinham-no feito controlar os níveis de álcool, até porque não queria perder o bom senso, duas vezes em tão curto espaço de tempo é muito. Ressaca, também não havia!

Lentamente despertou.

Não tinha mensagens, chamadas não atendidas, o que profetizava um domingo sem stress, sem ter de dar satisfações a ninguém, sem ter de se justificar.

Ia aproveitar o dia chuvoso para ir ao Chiado, pôr as leituras em dia, visitar duas ou três lojas que há muito estavam na agenda.

Já sentado num Chiado aguado com o seu abatanado à frente Pedro viu aquilo que lhe parecia ser uma cara familiar. Olhou, voltou a olhar e efectivamente a cara era-lhe familiar. Mas não era dali. Voltou a concentrar-se na sua leitura! E assim ficou, assim o tempo passou. Com o final da tarde chegou ainda mais chuva. Uma grande chuvada.

No caminho de casa voltou a cruzar-se com a mesma cara. Familiar, um rapaz homem, meio “estranho”, não conseguia defini-lo, também se sentiu observado, sentiu-se olhado e revistado da cabeça aos pés, deixou o Camões para trás, lá do alto do seu pedestal olhava de lado para um Chiado, de joelhos, muito molhado. Seguiu a toda a velocidade, a que lhe era permitida, para casa!

Já em casa, lembrou-se João… Uma mensagem instantânea e outra de volta e veio a novidade, já esperada, de que tudo estava bem. O desaparecimento da véspera tinha sido um percalço, Madalena também tinha ido à inauguração do bar e João resolvera-se a “desaparecer” com ela, não fosse, segundo o sms “aparecer também Sofia” e o melhor foi sumir dali!

A semana começou sem novidade, a mesma chuva, menos frio. Muito mais trabalho!

Nessa semana não haveria jantar de quarta-feira, Pedro marcou, com Bruno e João, jantar para quinta-feira, no Sr. Francisco. “E depois logo vemos”…

A segunda-feira, a maldita da segunda-feira, passou tão lentamente como o elevador da Bica demora a sua caminhada pela Bica de Duarte Belo acima, lentamente, tão lentamente que Pedro já conseguia identificar quase todos os prédios, fachadas, placas, fontes e demais sinais urbanos de civilização que existiam naqueles 200 metros de Lisboa.

A terça-feira foi mais rápida, menos difícil, com mais stress, muitos projectos novos para daí a um mês.

Apareceu a quarta-feira. Uma conversa de telefone com Joana, contou-lhe o resto da noite de sábado – ou melhor, a manhã de domingo – tinha saído do bar às seis, muito bem disposta e bebida, tal como Maria. Voltar à mãe de água e pegar no carro estava fora de questão. Apanhar um táxi, era deitar “fundos” ao lixo! Tinha aproveitado esses 30 euros para tomar um pequeno-almoço mais requintado. Rir mais um bocado. Quem tinha estado? Maria, claro. Segundo Joana, é sempre a primeira a chegar e a última a sair! Tentou saber mais, mas Joana nada disse. Tentou saber dos amigos de Maria. Joana nem sequer percebeu quem eram!

Ao chegar a casa, voltou a ver o mesmo rosto! A mesma cara, uma roupa mais formal. Um cruzar de olhos na sua rua e um aceno na cabeça. Pedro ficou pensativo.

Mas é mesmo assim que criamos as relações de vizinhança. Tantas vezes nos cruzamos com as mesmas pessoas que já são conhecidos, subindo lentamente de nível, passando a ser vizinhos, amigos e sabe-se lá que mais! É assim no autocarro, com o segurança da empresa, com o Sr. Manel da Mercearia. Com o Sr. Jerónimo do café. E até com o Senhor Luís dos Jornais. É assim, sempre assim! Pedro sabia-o por experiência. Mas aquela cara não era dali, era de outro lado.

Entrou em casa, sempre com aquela cara na sua memória visual, Pedro era bom a decorar caras e pessoas e nomes! Portanto aquele alguém, era alguém! Alguém… Mas quem!?

Depois do Jantar e de dormitar o sofá, acordou com o telefone a tocar. João à meia noite e meia. Não atendeu. Se fosse grave deixava mensagem! Pensou. Três minutos depois. O sms que era previsível… “Estou a ir com a Sofia ao Bairro. Vêm mais duas amigas. Anda”. Pedro levantou-se. Vacilou. “Não. Vou dormir! Se calhar era giro. Vou calçar uns ténis! Não. Amanhã é quinta. Tenho de trabalhar. Tenho copos. Mas é mesmo aqui. “Meia horinha à Benfica”! Não vou. Vou ler e vou dormir. Vou fingir que já dormia e não vou!” e deitou-se!

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